terça-feira, 4 de dezembro de 2012

05 de dezembro de 1978.

Havia uma homem. E uma mulher. E eles decidiram ficar junto. Não sei se os dois se amavam ou eram dois solitários cuidando um do outro.
Um dia o homem destruiu algo na fazenda que trabalhava.
O patrão disse que ia descontar uma parte do salário todo mês.
O homem não aceitou.
Ele disse para o patrão descontar todo o salário até pagar a máquina toda.
"Como você vai viver? São três salários seus".
"Isso é problema meu".

E o casal só se alimentou de pinhões que a mulher colhia por três meses.

•••

Um dia a mulher ficou grávida.
Perdeu a criança.
Ficou grávida de novo.
Novamente perdeu a criança.
Pela terceira vez ela engravidou.
E uma menina forte nasceu.

O homem ficou feliz, bebeu quase toda a vendinha.
E ao cartorário surdo de um ouvido deu um nome diferente daquele da folhinha.

•••

A menina teve uma irmã. Cresceram juntas.
Mas um dia um cachorro apareceu babando e foi morder a menina. Sua irmã corajosa entrou na frente.
O cachorro a mordeu. Ela morreu protegendo a menina que nunca a esqueceu.

•••

O homem que não tinha filho ensinou a menina como cuidar dos animais, fazer corda e derrubar árvores. Ele não sabia ler nem escrever, mas administrava a fazenda com um sistema só seu.
Ela não sabia cozinhar ou brincar de boneca.
Sabia quebrar rabo de boi e espantar vaca.
E até usar garrucha para assustar um garoto que quis se aproveitar que o homem não estava.

•••

A menina tinha um amigo de olhos azuis, mas logo ele foi embora com a família.
A menina sabia fazer várias cordas e um dia o homem disse que a ensinaria a fazer a mais difícil.
Mas ele não ensinou.
Ele morreu.
E ela nunca aprendeu.

•••

A menina cuidava da mulher. Cortando eucalipto e os afazeres do homem.
Um dia um machado um pé encontrou e para a cidade o fazendeiro as levou.
Lá ela trabalhou e estudou.
Queria ser advogada e matava aulas para ver filmes do Bruce Lee.
Só há pouco tempo ela me contou.

•••

Muitos anos depois a mulher adoeceu e não saia mais da cama.
A menina, agora adulta reencontrou o amigo de olhos azuis.
Muita coisa aconteceu e ela engravidou.

Disseram para ela tirar a criança.
Para ela dar a criança para alguém cuidar.
"Como vai cuidar de um neném, de uma velha e ainda trabalhar?"
Não houve desejos ou enjôos. Tudo correu bem.
E quando o filho nasceu, a mulher melhorou.

E ajudou a menina a cuidar dele.

Por dois anos, vovó e netinho conviveram.
Ela gostava de alimentá-lo com bolachas molhadas em café com leite.
Um dia a mulher vovó disse a menina adulta "me leve para o hospital".
"Está se sentindo mal?"
"Não, é que vou morrer daqui a dois dias e não quero que o meu netinho veja".
Dali a dois dias apenas mamãe e filhinho.

•••

Logo depois, o garoto trocou a única surra que tomou por longos castigos.
Ela o ensinou a falar direito.
Ela sacrificou muito por ele.

•••

Aos seis, sete anos quando gostava de se esconder pela casa das pessoas com quem morava de favor, ele perdeu a inocência ao descobrir o que a madrinha e a filha pensavam realmente dele.
Aos treze, deixou de achar seu nome feio e se sentiu envergonhado por até então achá-lo.
Aos quinze, ele descobriu como é fácil morrer. E decidiu viver.
Aos dezoito descobriu como é fácil magoar alguém e que a culpa não vai embora.

Nunca pensou que passaria dos vinte e cinco.

Aos vinte e oito decidiu virar adulto, sem deixar de ser criança.
Passou então a cuidar da menina/adulta/mamãe, como ela cuidara dele e da vovó mulher.

Eu sou filho de Ida. Neto de Suzana. Eu sou um Corrêa.

Nós aguentamos bastante. Erramos muito.
Somos apaixonados e furiosos.

Nós somos como aquele velho carro que derrapou na curva e ficou batido e enferrujado durante muito tempo.
Mas numa noite chuvosa, ligamos os faróis e atingimos a estrada e surpreendemos a todos.

Somos intrometidos, orgulhosos e bem-humorados.

E, por algum motivo, as pessoas gostam de nós.

Esse é só um pedaço da história da minha família.

Hoje é meu dia.
Comemorem comigo.
Amigos e Amigas.

Quem me Ama e quem me aguenta.

Há um sorriso azul nos meus olhos verdes.

sábado, 16 de junho de 2012

Como ouro.

Estava cochilando no ônibus indo pra trabalho na grande cidade de São Paulo, quando olhei para o lado e para o chão e na outra fileira de bancos eu vi...
Aquele vãozinho entre um dedo de pé e outro, entre o mindinho e o vizinho, não dava para ver o restante dos dedos porque eles estavam numa sapatilha dourada.
Parecia tão bonita aquela imagem.
Minha visão foi subindo pelas pernas envoltas numa calça jeans, fiquei imaginando como elas seriam à mostra. Um belo quadril, uma bolsa com detalhes de latão dourado.

... espere aí...

A sapatilha era de OURO, os detalhes da bolsa eram OURO.
Pisquei, esfreguei os olhos e aqueles longos cabelos negros se viraram e sorriram para mim. Um sorriso se formou. Talvez porque eu estivesse de boca aberta ou com cara de bobo.
Ela colocou o indicador no lábio e depois fez o gesto com o mesmo dedo indicando para eu chegar perto e sentar ao lado dela. Eu fui, não havia escolha.
Sentei, fiquei piscando tentando falar, nada saia.
Eu pensava “você não tem medo de andar como todo esse ouro por aí, na cara de todo mundo?”
“É tudo o que eu tenho, e as pessoas estão tão ocupadas com suas vidas que não se interessam em imaginar que pode mesmo ser ouro. É tudo o que restou.”
“Peraí, estamos conversando sem mexer a boca... você está ouvindo meus pensamentos?”
“Sim, foi bem gostoso ouvir você pensando carinhosamente nos meus pés, e a luxúria quando olhou para minhas pernas foi acalentadora.”
Eu puxo uma quantidade de ar pela boca que nunca vai esfriar o calor no meu rosto, me sinto como um menininho pego tentando ver uma prima trocando de roupa.
“Relaxe, o tesão, como vocês dizem, foi puro e natural, não foi algo sujo. Você sabe quem eu sou? Há um pouco do sangue do meu povo em você, muito ralo, mas está aí, uma ou duas gotas.”
“Eu sei que você é de onde a Irlanda é. Você é Danu?”
“Um dos meus nomes, sim, sou eu. Assim como eu não sou aquela Danu, eu sou algo menos que ela, algo diferente.”
“Estou no ônibus com uma deusa, eu não sei o que fazer, eu devo me curvar?”
“Você já me homenageou com seus pensamentos, e isso é bom”

E como um bom idiota que estraga uma conversa perfeita eu penso:
“o que houve com você? Por que está aqui num ônibus?”
Ela se entristece, eu me arrependo e já é tarde demais...
“Eu já fui loura, sabia? Às vezes eu penso que sou uma telefonista humana que está entediada com o trabalho, quer alguém que cuide dela. Ir trabalhar sem ter que pegar dois ônibus. Uma telefonista que se sente uma deusa às vezes. Eu já fui loura, sabia?”
E nesse momento eu quer abraçá-la, beijá-la, dizer com convicção que tudo vai ficar bem, que eu vou cuidar dela... mas eu não posso, o pensamento racional me diz que eu posso cuidar de mim e não dar a ela todo o conforto e luxo que ela merece. Que por mais que eu ajoelhe e a ame/adore/homenageie/ore por ela todos os minutos do dia, não serei capaz de mantê-la deusa por mais do que alguns minutos. E eu me sinto um merda por isso.
Ela fala num tom que quem prestar atenção pode ouvir: “ei, está tudo bem. Você me ajudou bastante já. Alegrou minha manhã.” Ela pisca e põe a mão no meu rosto.
E eu sinto: é como sair de uma casa gelada no inverno e sentir o sol esquentando cada parte do seu corpo. O mundo se ilumina e eu vejo todas as cores explodindo, os pássaros cantando e o vento soprando no meu rosto. Ela está majestosa na minha frente.

Então o riso de adolescentes que apontam para mim me desperta. Ela gentilmente fecha minha boca empurrando meu queixo para cima. Ambos sorrimos. Os idosos à nossa volta estão sorrindo. Eles entendem. Acho que viram o mesmo que eu.
Ela pede licença, dá sinal e se dirige a porta.
Eu quero ir com ela, saber mais. Na minha mente ela diz: “está tudo bem”.
Enquanto ela desce, percebo que ela tem flores tatuadas nos braços que não estavam lá.
E há mechas amarelas em seu cabelos que já não são totalmente negros.

“Eu já fui loura, sabe?”

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Foi em 1964...

Foi em 1964 que comecei a conhecer o mundo como ele é.
Pois nesse ano meu pai veio a falecer fiquei sendo o esteio da casa, meu irmão com apenas 17 anos saiu de casa indo morar com sua namorada.
Fiquei só e com a responsabilidade de cuidar de minha mãe, que com a morte de meu pai, ela começou a se entregar, não querendo nem sequer sair mais de sua cama, eu então arregacei as mangas e fui de machado em punho trabalhar em corte de eucalipto, onde eu cortava as árvores, media de 1,80m em 1,80m, cortava, descascava com um facão aqueles pedaços de eucalipto que conseguia levantar, os mais pesados usava o machado para poder tirar a casca.
Neste trabalho fiquei durante 6 meses até que um dia logo de manhã, cheguei ao trabalho coloquei meu almoço e água pendurados numa árvore, daí eu comecei a derrubar eucaliptos mais ou menos umas 8 árvores, atorei todas na medida certa, cortei os galhos e comecei a descascar os troncos mais grossos com o machado, só que os primeiros tem uns 50 cm de altura, onde eu colocava o pé esquerdo, vinha descascando e andando de costas, depois de nove toras escapou a pontinha do machado vindo acertar o meu pé, encostei o machado, abri aquele pequeno corte, era bem pequeno mesmo, mas dava para ver o osso, imagine só o que eu fiz? abri aquele corte, enchi com terra para estancar o sangue, pois continuei trabalhando até a tarde, empilhei todo o eucalipto onde deu 3,5m fim do dia.
Volto para casa, tomo banho, mas ao tirar a terra do corte, vejo que está com pus, tudo bem, pego bálsamo e faço curativo, preparo o jantar e vou dormir.
No dia seguinte não vou trabalhar, pois não posso colocar o pé no chão, que está inchado e dolorido, isto é quarta-feira. Passo esse dia, o outro e chega a sexta-feira o patrão chega para fazer o pagamento semanal.
Recebo o dinheiro da semana, em seguida ele (patrão) pede qu eu vá até minha casa e pegue o mais importante apenas o que caiba em uma camioneta, e lá vai eu e minha mãe para Jacareí morar em uma cozinha e um quarto no quintal de sua casa.
Cheguei em Jacareí à noite. No outro dia comecei a trabalhar como empregada doméstica na casa da filha desse senhor.
Passado quatorze anos tive meu filho que foi para escola com um ano de idade, pois não tinha creche aqui e não podia pagar babá e nem cuidar dele o dia todo, pois ainda minha mãe estava comigo.
Passado dois anos minha mãe faleceu, fiquei só com meu filho, mas sempre trabalhando sem descanso pois trabalhei durante 35 anos de domingo a domingo, quando eu fui aposentada.
Ai sim|: meu patrão que era construtor de imóveis e estava construindo casas no Jardim do Portal, pois ele chegou para mim e disse:
Quero que você e seu filho vão escolher uma casa que eu termino como vocês quiserem, daí vou mobiliá-la a seu gosto, a partir de então você e seu filho vão para sua casa, onde agora você só vai trabalhar três dias por semana, o que acha?
Respondi: Isso é bom demais.
Fui para minha casa, mas a patroa que é mesquinha, não deixou que eu descansasse, e em seguida me falou: "ah, sua casa é pequena, o que você vai fazer sábado, domingo e mais dois dias da semana? Aqui tem muito trabalho, você vem a semana toda e fica com sábado e domingo."
Pois é, quando eu me aposentei o salário mínimo era de R$513,00 e eu ganhava R$550,00, pois fiquei trabalhando 8 (oito) anos sem ter aumento até que no dia 2 de fevereiro de 2009, às 18:20 horas eu fui me despedir, minha patroa disse:
Aqui está seu pagamento, não precisa vir mais.
Pergunto: por que?
Responde: Não tenho mais condições de pagar.
Imagine oito anos trabalhar sem aumento de salário e ser despedida sem mais nem menos, o que você faria?
Porque não fiz nada
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Mas hoje estou vivendo de verdade:
Conheci a Casa Viva Vida onde faço inúmeras atividades tais como:
Caminhada, Ginástica, Lian Gong, aulas de música, inglês, informática, dança cigana e teatro.
Ah! ia me esquecendo, como não pude estudar, agora estou estudando, estou na oitava série.
Não paro por aqui, vou em frente.

IDA.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Torin 002

002

De repente Torin percebe que está sozinho.
Ele arregala os olhos e olha em volta. - Onde está Vento? - levanta limpando as lágrimas e a sujeira do nariz. - Vento desapareceu?.
Olha mais uma vez em volta, devagar, o pequeno coração acelerando.
- Ele me deixou ? – o garoto diz baixinho.
Torin começa a correr pela multidão gritando pelo nome do clérigo, perguntando às pessoas próximas se o viram. Nada. Algumas pessoas nem lhe dão atenção.
Ele corre até a praça central, sobe na fonte para poder enxergar melhor. Não há sinal de Vento.
A criança quer chorar, mas percebe que não vai adiantar e ele mesmo tem que achar Vento.
Ele abaixa a cabeça tentando lembrar para que lado fica o templo da ordem...
Olhando para uma rua que parece familiar, o garoto começa a correr, desviando das pessoas, dando esbarrões em pessoas, desviando de mercadorias, correndo. – lá eles vão me dizer onde Vento está – ele quer sorrir, mas tenta correr um pouco mais rápido.

Após alguns minutos e ruas erradas, ele chega a entrada do templo. Quando pára para tomar fôlego percebe como está cansado. Apóia as mãos nos joelhos e fica arfando. Respira fundo e caminha para a entrada. Logo que passa pela porta principal percebe tudo tão escuro dentro do templo. O garoto espera até seus olhos se acostumarem com o lugar e então vê um homem apoiando as costas numa pilastra com as mãos cruzadas no peito.
- Vento? É você?
- Vento Cinzento ainda não retornou – diz o homem a pilastra.
Torin engole em seco (percebendo que está com sede) enquanto pensa em onde procurar Vento.
Uma mão toca repousa no seu ombro – deveria cuidar melhor das suas costas – Torin olha para trás e lá está Vento.
- Vento? ..... Vento! O garoto abraça o clérigo.
- Por que você me abandonou?
- Eu não te abandonei, eu lhe dei uma escolha. Eu estive atrás de você por todo o caminho. Fico feliz que você tenha conseguido se acalmar e vir para o templo.
- Por que você me abandonou?
Vento ergue uma sobrancelha – não te abandonei, Torin. Percebi apenas que não sei ser o pai que você precisa, ainda estou aprendendo a ser um guerreiro. Sou um clérigo tentando entender o mundo.
- Eu te achei Vento. Não fique tão bravo comigo. Eu vou seguir as suas ordens.
- Quero que você siga minhas ordens entendendo que não estou chateando você, mas quero o seu bem.
- Eu sei, Vento, eu sei. Eu vou tentar, mas não sei se vou conseguir.
Um sorriso aparece no rosto de Vento – Você leva jeito, Torin.
- Desde que percebeu que eu sumi, você não largou suas marretas.
O garoto dá dois passos para trás olhando para as mãos. As marretas estão lá. Suas mãos estão formigando de tanta força com que ele as apertava. Torin percebe que está sorrindo.

Na areia da praça ainda é possível ver as marcas na areia onde um garoto havia deixado suas marretas no chão.

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Torin 001

- Torin, venha cá, rapaz.
O garoto se aproxima, chateado e olhando para o chão.
- O que lhe incomoda?
- Eu não gosto de ter que vestir essas roupas e .... e carregar essas marretas o dia todo. Eu só quero os meus tios.
- Mas nós estamos em algo que só posso definir como guerra. Aqueles seres estranhos. Quando eles aparecem, muitos morrem. Eu sou responsável por você...
- Mas.... o senhor viu. Soldados e guerreiros morreram. Adultos e eu sou só uma criança. Pra que eu vou usar essas marretas se vou morrer se eles atacarem.
- CALE-SE! É assim que você vai honrar seus pais? Desistindo? Por acaso você deixa de comer só porque sabe que vai sentir fome depois? Você não se agasalha quando uma nevasca está chegando só porque vai sentir um pouco de frio?

Torin começa a soluçar e chorar baixo.
Alguns momentos se passam.
O garoto joga as marretas no chão, cai sentado e chora com as mãos no rosto.

Vento Cinzento se levanta e começa a caminhar pela rua. E some na multidão.

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